O Capital no Século XXI

Professor Oscar Simões

Thomas Piketty era um obscuro economista francês até meados do ano passado quando lançou “O Capital no Século XXI”. Entre outras conclusões, Piketty afirma que o capitalismo, tal qual praticado em nossos dias, é uma séria ameaça à democracia.

O professor de finanças do ISE Business School, Oscar Simões, é o nosso convidado do Bate-Papo Acadêmico deste mês e fala sobre a obra do economista francês.
Por que há tanta crítica em torno do livro “O Capital no Século XXI”?

Oscar Simões – Primeiro, acho importante dizer que bons trabalhos costumam, por serem inovadores e às vezes contraintuitivos, gerar fervorosas discussões, sejam a favor ou contra os argumentos do autor. Ninguém perde tempo com um trabalho ruim. Isso, por si só, já é suficiente para concluirmos que não estamos diante de um trabalho qualquer. Dito isto, vamos às críticas, as quais têm diversas fontes, inclusive ideológicas.

A começar pelo título, que de maneira propagandista, talvez, instigue uma comparação inevitável com o clássico “O Capital”, de Karl Marx. Ao comentar a classificação de “Marx moderno” dada pela revista britânica The Economist, o autor disse: “É ridícula essa comparação. “O Capital no Século XXI” é um livro de história sobre o dinheiro, o rendimento e o capital, sobretudo desde a Revolução Industrial. O objetivo foi colocar o tema das desigualdades numa perspectiva histórica e contribuir para fazer agora um debate democrático mais informado sobre estas questões. Nunca tive nenhuma tentação pelo comunismo. A questão para mim sobre o mercado ou a propriedade privada nem se coloca.”

Uma outra crítica importante veio do Financial Times (FT) que, ao se deparar com a planilha de dados disponibilizada online pelo autor, verificou alguns erros de transcrição das fontes originais e algumas modificações aleatórias nos dados que estavam sem explicações. Segundo o FT, o ajuste dos dados mudaria algumas das conclusões relativas ao aumento da concentração de renda/riqueza nas últimas décadas, refutando a ideia de que estariam aumentando desde a década de 80. Em resposta, o prof. Piketty diz que as fontes de dados são bastante heterogêneas e que “é preciso fazer uma série de ajustes nos dados de modo a torna-los mais homogêneos ao longo do tempo e entre países”. Ele continua dizendo que tentou, “no contexto do livro, fazer as escolhas e arbitragens mais fundamentadas sobre as fontes de dados e ajustes”. De fato, os dados quase nunca vêm da forma necessária para a realização de pesquisas. Assim, em todas elas, sempre há certo grau de discricionariedade quando da confecção das bases de dados. O que se espera de um bom pesquisador é que ele tome as decisões mais fundamentadas possíveis, sem qualquer tipo de viés em relação ao que se quer provar. Talvez haja ainda a necessidade de se esmiuçar as premissas utilizadas, mas não me parece que isso invalide o trabalho do livro, que é basicamente um livro de história econômica acima de tudo.
A crítica, talvez, mais feroz veio das sugestões de políticas econômicas feitas pelo autor, nas quais é proposta a colocação de impostos, a nível internacional, de rendimentos e de estoques de riqueza muito altos. Talvez aqui o autor tenha sido bastante ingênuo e um pouco descuidado, dado que a proposta é extremamente vaga e de difícil implementação. Mas, como o próprio autor diz, “Sinto-me melhor a analisar o passado do que a fazer previsões”. De fato, a narrativa histórica e o arcabouço montado para que essa análise intertemporal e entre países fosse possível, são o que vale a pena no livro.

A conclusão de que há uma contradição interna do capitalismo deve ser entendida mais como um “wake-up call” à sociedade para que entenda que talvez o capitalismo não tenha um mecanismo interno e natural de diminuição da desigualdade de riquezas. Assim, a redução destas dependerá de ações tomadas pela própria sociedade. Acho essa ideia extremamente frutífera e enriquecedora. O livro tem a intenção de nos fazer olhar para o futuro do capitalismo, para onde estamos caminhando, e incita a nos perguntarmos o que queremos como sociedade.

Uma das principais teses do livro é a de que o Capitalismo, da forma como vem sendo praticado, é um risco à democracia. Qual é sua opinião sobre esta afirmação?

Não acho que essa seja uma das principais teses do livro, o qual fala que talvez o capitalismo não tenha mecanismos internos automáticos para reverter uma tendência de concentração de riquezas. Ou seja, a riqueza pode vir a se acumular cada vez mais e não há nada que, automaticamente, tiraria a economia desse equilíbrio concentrador. Porém, isso não quer dizer que o autor chegou aonde Marx chegou, ao ponto em que essa concentração é tamanha que levaria a uma revolta inevitável que colocaria os não-detentores de capital no poder. Conforme dito no livro, Marx não levou em consideração algo que pode vir a retardar, e talvez nunca deixar que a economia chegue a esse ponto, que é o crescimento econômico e populacional.

O ponto do livro é que a riqueza está se concentrando porque as economias estão crescendo menos (em termos econômicos e demográficos) e, por isso, a porção da renda total gerada pelo capital cresce a uma taxa maior que aquela parcela gerada pelo trabalho, quando r>g (taxa de remuneração do capital é maior que o crescimento da economia). Mas, como o autor mesmo diz, esse é um arcabouço teórico que nos ajuda a pensar na dinâmica, dado que hoje não há uma divisão clara entre os detentores de capital e os trabalhadores. Os trabalhadores possuem propriedade de capital também.

Qual é a grande contribuição do livro, em sua opinião?
A grande contribuição do livro não está no modelo ou nas sugestões de políticas que dele advêm, mas na narrativa histórica que ele faz da evolução do capital, da renda e de suas distribuições ao longo do tempo. Não posso deixar de concordar com as críticas feitas em relação às propostas de política econômica e fiscal, tampouco deixar de reconhecer que este é um livro vibrante pelo assunto que ele traz à tona e por ter devolvido aos economistas uma discussão que nunca deveria ter deixado de ser feita fervorosamente: a discussão de como gerar oportunidades igualitárias e maior equidade social.

About
Oscar Simões
Diretor Acadêmico do ISE Business School, Diretor e Professor dos Departamentos de Economia e Direção Financeira, além de professor do Departamento de Direção Geral Doutorando em Economia | EESP-FGV, Mestre em Economia de Empresas | EESP-FGV, Graduação em Administração Pública | EAESP-FGV, PMD – Program for Management Development | IESE Business School Extensa experiência executiva na área financeira e de operações, lidando com produtos relacionados de tesouraria como câmbio, derivativos, commodities e renda fixa em São Paulo, Nova Iorque e Cidade do México. É também pesquisador do Centro de Macroeconomia Aplicada da EESP-FGV.